quarta-feira, 20 de junho de 2012

grávida aos 12


uma introdução

andei sem palavras pelos últimos dias - acho que fiquei mais de um mês sem desaguar por aqui ou por qualquer outro lugar. emudeci. escrever é revolver muita terra ainda não fecundada, terra de dores enraizadas mais profundamente que se quer supor, terra de lágrimas fecundas. todxs temos o tempo de encarar os próprios fantasmas, e eu estive agarradas aos meus. passou o dia das mães, e eu queria ter falado sobre como ser mãe é padecer no machismo - esse seria o título do texto que eu tinha em mente. passou a marcha das vadias em brasília, e eu queria ter falado da dor e alegria de fazer parte duma manifestação feminista. passaram dúvidas e eu quis falar de amor; passaram dias e eu quis falar de saudade, de estar junto; passaram gentes, e eu queria ter falado de se apaixonar sem medida e por mais de uma pessoa. passaram paixões, sem que eu dissesse uma palavra sequer.

mas hoje eu resolvi falar.

parei pra pensar no nome desse blog, no que significam as minhas estrias, na companhia de meus e minhas fantasmas, e em como eu quero que eles e elas se tornem em qualquer outra coisa que não me assombre. eu não sei se vai dar certo, mas tentarei transformá-los em palavras.

eu quero falar sobre a minha gravidez, e quero falar sobre como isso foi parte da minha infância - não era adolescência, não era pré-adolescência, não era qualquer outra coisa que queiram dizer que foi. há um véu de ignorância e perversidade que cobre a gravidez precoce - o véu que precede a corda no pescoço, o silêncio imposto e toda a dor que é se fazer pessoa quando se tem uma outra pessoa em formação sob seus cuidados. e esse véu continua sobre a minha cabeça: eu o arranho, tento rasgá-lo, tento tirá-lo de cima de mim, mas os esforços são grandes e ás vezes eu simplesmente aceito me cobrir com ele, o agarro, e me aqueço como possível na sua aspereza.

o que eu estou me propondo não é escrever um texto, mas extrair de mim um tumor. não vai ser fácil. já não está sendo fácil, e ardem os olhos que choram em frente à tela desse computador. eu não sei pra quem eu falo, tampouco posso dizer que minha intenção é ser ouvida - mas eu falo. escrever não é uma opção, mas uma necessidade pra mim. a minha vida é o meu depoimento, e os depoimentos serão dados, por mais que se lhes queiram parar. o meu depoimento, eu fui dando aos gritos, aos choros, com citalopram, rivotril, lexotan, tequila, noites insones, e muitas, muitas lágrimas. as lágrimas continuam e continuarão - são, aliás, minhas maiores aliadas; que desçam livres e translúcidas, lúcidas e translivres, completamente eu, que em algum momento a gente precisa já não me esconder. mas decidi que, enquanto meu depoimento se faz, eu quero que saibam do que ele se trata. eu quero saber do que ele se trata.

eu jamais conseguiria falar da minha gravidez em uma única postagem. e esse blog parece não contar com um público assíduo - nem a blogueira parece ser das mais assíduas, no entanto, isso muda hoje -, mas, esse desabafo se fará em capítulos.

na minha primeira postagem aqui, eu disse que os passos se dariam naturalmente e que, em todo caso, esse é um blog e não um caminho. mas acho que eu estava enganada - e eu sempre desconfiei que estivesse mesmo. hoje eu dou um primeiro passo de um caminho inteiro pra dentro de mim, da minha história, das feridas que hão de permanecer intactas, pra me lembrar de lutar que elas não se perpetuem em outras vidas.

essa foi a introdução do que eu tenho pra dizer sobre a gravidez na minha infância.


sábado, 5 de maio de 2012

eu quero vomitar

eu quero vomitar.
eu tô passando mal.
eu tô passando mal de ódio e chorar não resolve. eu tô passando mal porque nós somos caladas, amordaçadas, assassinadas, estupradas. porque quando uma vagina nasce ela não ganha o mundo, ganha um fardo. porque estupro coletivo é arma de guerra. porque a guerra, minha amiga, tá do nosso lado. nós estamos em guerra. somos todas palestinas, somos todas de ruanda, todas temos fístula vaginal. e se a gente não vê isso, é porque nos taparam os olhos. o fardo nos cegou.
a sociedade é um homem branco e rico, e eu tô cansada de chupar as bolas dele. porque quando minha cabeça tá lá, nessa genitália imunda, eu não vejo que a única coisa que diferencia meu corpo de uma mulher com uma fístula vaginal é a geografia.
não podia ter sido eu: fui eu, só que eu não percebi.
e num mundo pautado na guerra, dizem que meu feminismo é radical. porque ninguém enxerga que, nesse lugar onde a primeira definição de um ser humano é dentro dos papéis homem/mulher, nesse mundo em que a merda duma genitália é a primeira definição do lugar que vc pode ocupar, ninguém enxerga que é nesse mundo que toda a lógica de dominação/opressão/violência/guerra se sustenta com o homem dominando/oprimindo/violentando/guerreando contra a mulher. as coletividades são todas enfraquecidas, quando não arruinadas, com essa porra do patriarcado.
hoje eu tô PUTA. eu quero vender meu corpo todo pro meu ideal. e eu não quero gritar pra ser ouvida: quero gritar pra fazer cumprir essa avidez por liberdade! porque eu estou inclinada a acreditar que o que diferencia um cara que me segue no seu carro durante meu trajeto apressado até o local "seguro" mais próximo de um cara que usa o estupro coletivo como arma de guerra é a geografia - mas talvez nem isso, talvez não haja mesmo diferença alguma. e o que diferencia ele de mim é que ele têm um momento de gozo ao chupar as bolas da sociedade - e eu não.

porque disse pra mim o homem cujas bolas querem me obrigar a chupar: seu feminismo é radical. e a única coisa que eu posso fazer é virar minhas costas pra ele, olhar pras feministas a minha frente e dizer: companheiras, ele continua falando! isso significa que não estamos sentindo raiva o suficiente!

sexta-feira, 4 de maio de 2012

gillettes e a proibição de cortar pros dois lados


a necessidade de se pensar no B


eu fico pensando, cá com minhas estrias, por que causa, motivo, razão ou circunstância é proibido cortar pros dois lados. já passei por isso, baby, e, numa boa, você está apenas indecisa. mas é pra eu me decidir entre o que mesmo? entre homens e mulheres?

já ouvi de tudo, do clássico você está indecisa ao absurdamente louco homossexualismo é doença, então eu procuro entender, mas bissexualismo é safadeza. mas por que? por queeeeeeee?! todo esse discurso bissexual-fóbico (acabei de inventar esse termo, né? neologismo é vida!) só mostra o quanto estamos acostumados a definir as pessoas (as outras pessoas e a nós mesm@s) dentro do binômio homem/mulher.

além de indecisão e safadeza, [e eu não vou nem me deter a falar da desrespeitosa tara masculina com as mulheres bissexuais, que é pra não piorar a gastrite] a bissexualidade também é encarada como falta de critério. ah, então quer dizer que você pega tudo que tiver pela frente? não, meu bem, eu não "pegaria" você por exemplo! RÁ! mas falando sério, esse medo da "falta de critério" para escolha de parceiros sexuais/afetivos, além de mostrar como nós somos reduzid@s ao papel de homem ou de mulher (sim, porque não podemos desejar alguém pelas semelhanças que tenhamos, pela admiração que a pessoa nos provoque, ou por quaisquer outros motivos sem levar em consideração a genitália que ela tem), demonstra o medo que a sociedade tem de que vivamos nossas sexualidades livremente. e se eu não quiser ter critério algum? e se meu único critério for que a querência seja recíproca?  e?! o corpo é de quem mesmo? ah, tá, obrigada. pensei que fosse seu. [aliás, já repararam no quanto não-óbvia é a frase 'o corpo é meu'?]

prosseguindo. eu vim aqui escrever que, assim como renato russo, eu gosto de meninos e menina-a-as. e dizer que as pessoas precisam entender (porque se elas não entenderem, talvez isso lhes provoque uma úlcera, mas não afetará minha liberdade) que vai ver que é assim mesmo e vai ser assim pra sempre. vim dizer que a bissexualidade pra mim é algo tão natural quanto as estrias na minha barriga, que já foram um tabu pra mim, mas agora é só pr@s outr@s. que eu não consigo amar ou desamar, querer ou não querer, desejar ou não desejar alguém me pautando apenas na genitália da pessoa - não que as genitálias em si sejam critério universal, mas que para mim são quase que as únicas diferenças entre homens e mulheres, desconsiderando a questão histórica que se impõe sobre corpos femininos e masculinos. que eu sou uma apaixonada por pessoas. que meus critérios são outros. tive um grande amor que tinha um pênis e me apaixonei perdidamente por alguém que tinha uma vagina - e fui feliz! e quero ter muitos outros amores - homens ou mulheres, ou qualquer coisa no meio do caminho.

aliás, eu queria dizer que eu tô no meio do caminho. eu me recuso a caber na caixa MULHER. se eu me identifico como mulher, é porque a sociedade impôs isso a mim em algum momento - no momento em que o médico virou pra minha mãe e disse "tá vendo aqui? essa falta de protuberância no meio das pernas? parabéns, é uma menina!", "é uma menina, gente. vou pintar o quarto de rosa!" [mentira, porque ela já disse que meu nome era victor antes dessa trágica descoberta, e que tod@s esperavam que eu fosse um menino, então ela provavelmente pensou "que merda, é uma menina de novo"]. e se eu me assumo como mulher é somente para me livrar das amarradas que a sociedade me impôs pelo simples fato d'eu ter nascido como uma vagina.

não, 'homem' e 'mulher' são dois conceitos que não me contemplam, ou pelo menos não são levados em consideração por mim quando me vejo desejando alguém. aliás, eu gosto mesmo é do que está no meio, entre homem e mulher. os extremos são chatos e quase sempre tão forçados. aliás, o termo bissexualidade, como ideia de gostar de homens e mulheres, também não me contempla. bissexualidade pra mim é a própria superação dessa dicotomia. ah!, mas nem sempre foi assim, porque eu era do tipo que falava: mas eu gosto de homem com cara de homem, e mulher com cara de mulher. hoje isso me faz questionar até que ponto nossa sexualidade, mesmo na comunidade lgbt, é um exercício das nossas liberdades e a partir de que momento elas estão submetidas ao padrão heteronormativo. mas isso é discussão pra mais de uma postagem, pra mais de um tcc.

enfim, não tô aqui fazendo uma apologia à bissexualidade. o amor que você vive entre quatro paredes, seja ele qual for, eu espero que você viva na rua, no cartório, na tevê, conforme sua liberdade lhe cobre. apesar de eu nunca ter sido homossexual (e olha que eu já passei pelo processo de me afirmar enquanto homossexual, mas isso sim foi só um momento de indecisão), eu acredito na hetero e na homossexualidade. o fato d'elas não existirem na minha vida não me impede de olhar com profundidade as vivências de outras pessoas e, acima de tudo, respeitar essas vivências.

então, gente, é isso. bissexualidade não é uma lenda urbana e dizer pr@ seu/sua amig@ que el@ está indecis@ pode magoar bastante também. se seu amigo que adora ser passiva quiser uma mulher, nada de comentários do tipo "mulher? ui, que nojo!". e se a sua amiga supercaminhoneira estiver de olho num gatinho, nada de falar que tá estranhando ela, beleza? e você, que jurava que seu/sua amig@ era hetero mas agora el@ está com alguém que tenha uma genitália parecida com a del@, muita calma nessa hora porque, ainda que seja uma fase, é o momento del@ viver essa fase com toda a plenitude. por que que a gente tem ficar se metendo na vida sexual/afetiva d@s outr@s desse jeito mesmo?! E NADA DE PERGUNTAR, SEM A MENOR CERIMÔNIA, SE A SUA AMIGA BISSEXUAL QUER FAZER UM MÉNAGE CONTIGO E COM A NAMORADA DELA, OK?!?!

tem um B no meio de LGBT, e, acreditem, não é à toa. permitamos, então, que a bissexualidade, seja reflexo da diversidade sexual/afetiva pela qual lutamos.

beijocas para as mulheres, para os homens e para tod@s @s que não se sentem contemplados por esses conceitos :*

quinta-feira, 3 de maio de 2012

peitões, peitos, peitinhos. duros, molinhos, muchibas.

o que a vadia feminista que vos fala gostaria de dizer sobre eles


peitos, vaginas, cus, suvacos, estrias, celulites, cabelos, pêlos, pentelhos, unhas encravadas: são tão diferentes quanto são as mulheres. nós não somos capas de revista - nem mesmo as mulheres que estão nas capas de revista o são (photoshop tá aí pra isso).

o corpo feminino (tô falando desse que tem vagina, peitinhos protuberantes, e aquela parafernalha toda de abrigar neném, e que, na minha humilde opinião, se diferencia do masculino só por isso mesmo) é um tabu que não foi superado pela exposição excessiva de seios, vaginas, cus - não sei porquê, mas não parece haver um interesse muito grande nas outras partes que citei anteriormente; vá entender - e por um motivo muito simples: esses seios, vaginas e cus e pernas e bundas e barrigas sempre tão expostos não representam a tal da diversidade que compõe as mulheres. e essa padronização de seios, cus, vaginas e blá blá blá, não só não nos representa, como nos é absorvida em forma de auto-depreciação.existem as características ideais, as interessantes, as aceitáveis (... infinitas variações nesse ínterim...) e as absolutamente inaceitáveis. a gente vai reconhecendo cada parte do nosso corpo de acordo com essas categorias, e na medida em que essas partes se aproximam do inaceitável, a gente vai odiando nosso próprio corpo. ok, nenhuma novidade pras leitoras. mas o interessante é como isso se articula, não só no íntimo da mulher, mas nas relações que nós tecemos umas com as outras. o fato de estarmos sempre sob olhares que nos comparam com outras mulheres, essas nos fazendo sentir melhores ou piores na medida em que se enquadram mais ou menos nos padrões que nos martirizamos por não atingir, cria um incômodo entre as próprias mulheres. comparamo-nos umas às outras, e nos vemos oprimidas diante de nossas próprias companheiras. o patriarcado é ou não é muito inteligente?! tirando que ele é burro pra caralho (patriarcado burro pra caralho foi um trocadilho acidental, mas interessante, num foi?), ele se articula muito bem quando usa suas artimanhas para criar desintegração entre as mulheres. sim, porque uma mulher ser valorada a partir do corpo da outra causaria, no mínimo, uma competitividadezinha.

e aí uma moça faz uma foto pra marcha das vadias de brasília. uma moça magra, com seios firmes e com marquinha de biquini. eu sei como são os seios dela porque ela está sem camisa e com o sutiã na mão nessa foto. uma belíssima foto, com uma frase tão genial quanto polêmica, dadas as circunstâncias: "sou feminista porque não deixarei de ser quem sou pra me adequar ao que a sociedade espera de mim." na hora em que li/vi a foto, até eu, que gostei do que li/vi, pensei: talvez a sociedade espere por isso. é, porque, vamos combinar, ela não era nenhuma siliconada, oxigenada, sarada, bombada, e tudo quanto "-ada" existir pra definir uma mulher digna da capa da playboy, masss ela ainda era uma menina magra, de seios firmes, e com direito a uma marquinha de biquíni que muitas de nós nunca vai ter pela simples vergonha de usar um biquíni.

talvez a sociedade espere por isso. ENGANO MEU/NOSSO! a sociedade, de-fi-ni-ti-va-men-te, não espera uma mulher que decida livremente mostrar seu corpo. e muito menos que uma mulher use seu corpo nu/semi-nu para protestar ao invés de servir de deleite aos olhos masculinos (tô falando dos cabra-macho-sim-sinhô). aliás, qualquer coisa que a mulher faça com seu corpo para expressar a si mesma, num exercício de genuína autenticidade, incomoda, irrita, provoca ódio. pense no quão idiota é o fato de que mulher de cabeça raspada é um tabu (não se ela estiver fazendo sessões de quimioterapia, porque, nesse caso, ela não estará exercendo sua autonomia, mas simplesmente obedecendo a mais uma necessidade/reação biológica). então eu digo: seios, durinhos ou não, lisos ou cheios de estrias, siliconados ou do tamanho de uma ameixinha, podem, sim, ser extremamente questionadores/contestadores/militantes. todos os seios podem ser os seios das vadias!

coloquemos mais seios a mostra! seios duros, moles, muchibentos, com aureolas pretas, marrons, rosadas, com ou sem piercing, tatuados ou não, um bico pra cada lado, um maior que o outro, cicatrizes no lugar onde ficavam os seios... não importa! nossos seios, vaginas, cus, suvacos, estrias, celulites, cabelos, pêlos, pentelhos, unhas encravadas, pêlos encravados, manchas, cicatrizes, alergias, sardinhas, espinhas, bigodes, barbas, bundas, pés rachados ou macios, nossos corpos são nossos e se é pela nossa liberdade que lutamos são eles que vamos defender! nossos corpos são nossa ferramenta de luta pacífica frente toda a violência de ordem física, psicológica, política, social (...) que sofremos.

mas nos ensinaram a odiar nossa ferramenta de luta pacífica. nos ensinaram a odiar a única coisa que não podem nos tirar. e eu aprendi a lição. aprendi direitinho. e só de raiva, e só de amor, eu quero vá a merda essa lição. eu resolvi que meus peitos, que cresceram muito rápido, e depois mais rápido ainda durante uma gravidez, que foram esticados, que amamentaram, que jorraram leite, que murcharam, e são meus vão falar por mim.


terça-feira, 1 de maio de 2012

cota racial é coisa de preto - dizemos @s branc@s

o que é ser branc@ num país racista


esse não é um texto sobre cotas raciais. não vou mentir: a minha intenção inicial era, frente a todos esses desaforos que tenho de engolir no facebook, falar de cotas raciais. que estupidez a minha. eu nunca sofri racismo - tenho um cabelo quase crespo que me ensinaram a odiar e a alisar, tenho um nariz de coxinha que já quis modificar, mas não posso dizer que já tenha sido discriminada por causa da minha cor, isso porque eu sou branca. eu escuto negr@s falando sobre a necessidade de criar tal política de inclusão, leio sobre o assunto, e já me livrei do discurso falacioso que, apoiado numa pretensa democracia racial/miscigenação, deslegitima -ultimamente, mais tenta do que de fato deslegitima - qualquer mobilização da negritude brasileira. mas dizer que a luta contra o racismo nasceu das minhas entranhas, filha de meu próprio sofrimento, seria uma mentira. a luta contra o racismo nasceu em mim num sentimento de alteridade, de um projeto de sociedade que alimento. e eu não posso falar duma dor que, efetivamente, eu não conheço. eu quase me rendi ao ímpeto de falar  pel@s negr@s - de novo. eu quase fui mais uma à perpetuar a história. mas @s branc@s precisamos aprender a silenciar também. @s branc@s precisamos, antes despejar mais uma vez nossas verdades sobre a negritude, baixarmos nossas cabeças brancas e escutar, dessa vez atentamente, ao que @s negr@s têm a dizer - porque libertá-los do jugo da escravidão foi uma necessidade nossa, não um favor, e ao mesmo tempo uma mentira.



as cotas raciais, mais uma vez, escancaram a hipocrisia branca, e me motivam a falar de um tema que pra mim também é novidade: a branquitude . isso porque as falas contrárias às cotas raciais só citavam @s negr@s para chamá-l@s de racistas - a auto-vitimização d@ branc@ parece definir o perfil de um/uma verdadeir@ agressor/agressora: apropriam-se do discurso da vítima para fazê-la se sentir culpada pela sua própria condição.

eu sou branca. e, ah!, maldito costume de desvalorizar a história!, eu não sei qual é a minha descendência. mas um bisavô proprietário de muitas terras me faz vislumbrar algo. e assim como história do brasil explica como se dão as relações familiares de amigas negras, baseadas no medo, na baixa auto-estima, numa eterna necessidade de auto-afirmação e, paradoxalmente, na negação da negritude, eu entendo que minha origens provavelmente europeias (embora "miscigenada") me ensinaram qual é o lugar que eu devo ocupar no mundo.

tenho tias-avós (sem o "@" porque nunca tive muito contato com os tios) que, literalmente, viram a cara pra uma pessoa negra. eu disse pessoa negra? provavelmente elas sequer atestariam a validade de tal expressão. eu disse pessoa negra? basta ser minimamente "moreninho" (talvez com uma descendência árabe ou indígena) para provocar asco nessas tias-avós. e antes que usem esse trecho do meu texto pra dizer que o racismo não é contra @s negr@s, vale salientar que o critério de 'avaliação' utilizado nos tribunais íntimos do racismo brasileiro é o quão próximas suas características físicas estão da negritude - e à medida em que você se assemelha a um/uma europeu/europeia, você é considerad@ gente. esse é um racismo mais evidente, mas nem de longe é o único. há outros mais sutis e talvez, por isso mesmo, mais perigosos.

dentro de casa, cresci ouvindo que meu nariz era de preto - e é lógico que eu me sentia realmente ofendida. rap era música de preto, e eu sabia que não devia ouvi-la. o meu cabelo era muito enrolado e volumoso, ou seja, cabelo de preto, cabelo ruim, e eu devia alisá-lo. e foi assim que eu cresci: sabendo que, se eu quisesse me afirmar enquanto qualquer coisa aceitável, eu primeiro precisaria negar qualquer traço negro, fosse físico ou cultural. e se esse processo dentro de casa era doloroso, na rua era natural. porque se alguém da família dizia que meu nariz era de preto e isso doía em mim, na rua frente aos/às negr@s eu estava em uma posição privilegiada. à época eu não conseguia identificar isso como o meu racismo, mas eu via que, meu cabelo podia até ser armado, mas não era duro. meu nariz era de coxinha, mas não tanto assim. e eu tinha amigas negras (eu me lembro do quanto eu achava bizarro que minha mãe falasse sobre isso como uma qualidade minha. eram só minhas amigas, e nada podia ser mais natural que crianças terem amigas) mas, no fundo, no fundo, eu sabia que elas não eram tão bonitas quanto eu - embora meu cabelo e nariz de preto me enfeiassem bastante. o incômodo com o racismo terminava no momento em que ele me conferia privilégios.

o que eu tô tentando dizer é que, da herança de um país escravagista, cada um ficou com o seu pedaço: negr@s com a subalternização e branc@s com a superioridade. minhas tias-avós (as únicas que me detive a citar, mas nem de longe as únicas racistas da família, além de mim mesma) não são vilãs, não são umas bruxas sem coração: elas são, também, fruto da história do brasil. um passado escravagista recente e nitidamente não superado.

ver a luta negra pela implementação de cotas raciais nas universidades públicas brasileiras sendo tão severamente combatida, mostra a dor de cotovelos d@s branc@s em relação à ocupação dos espaços acadêmicos pel@s negr@s. e nesse debate toda sorte de argumentos já foi utilizada, dos mais toscos aos mais polidos e  politicamente corretos, mas todos igualmente falaciosos.

cota racial é racismo, dizemos @s branc@s. mas pelo visto cota social não é discriminação de classe.  isso porque a ideia da sociedade se organizar, não como seres humanos, mas enquanto negr@s é extremamente ultrajante. porque dar garantia de acesso ao ensino superior a um grupo minoritário que não inclua branc@s é intragável. falamos do quão racista é essa medida, sem questionar por que há necessidade de destinar 20% das vagas para a população negra/parda. sem questionar por que os outros 80% das vagas do vestibular são chamadas de universais enquanto nós sabemos que a maioria es-ma-ga-do-ra delas será ocupada por branc@s.

cotas sociais resolvem os dois problemas: dos negros e dos pobres. é o que eu tenho ouvido aos montes. mas não paramos, @s branc@s, pra pensar que, se incluir pobre na universidade significa necessariamente incluir negr@s, é porque a negritude sempre esteve atrelada à pobreza e à marginalização nesse país. e essas são @s branc@s favoráveis a políticas inclusivas. o problema que el@s vêem é que as medidas inclusivas se destinem especificamente à negritude. dizem que não há raças, mas defendem, ainda que não falem nesses termos, que outras raças possam ser beneficiadas por essas políticas. sim, porque sempre falam branco pobre quando defendem as cotas sociais.

cotas raciais não vão resolver o problema da educação no brasil. de fato, não vão resolver todos os problema da educação no brasil. mas quer saber de uma coisa? eu acredito que resolvam vários problemas da educação no brasil. primeiro porque eu quero ver negr@s historiador@s, bisnet@s de escravos, falando de escravidão no país. depois porque eu imagino que estudantes negr@s devem estar cansados de ter professor@s branc@s que temem @s alun@s por serem negr@s, que deslegitimam suas falas quando el@s citam um rap da periferia, que dizem que no brasil não há raças, quando el@s estão cansados de saber que ou el@s se matam de trabalhar pra ganhar muito menos que qualquer branc@, ou terão grandes chances de serem chamados de bandid@s. e se ess@s negr@s cotistas se propuserem a lutar pela causa negra, muitas outras mudanças estruturais acontecerão na sociedade. eu quero ver diplomatas negr@s. juízes negr@s. médic@s negr@s. e quero ver na mesma proporção em que vejo branc@s. e, no dia em que isso acontecer, eu vou saber que a educação no brasil está mudando, pra melhor.

cotas só vão aumentar as tensões entre brancos e negros. tá vendo como você sabe que o brasil é dividido (também) em raças? e esse argumento é o mais curioso: é praticamente uma ameaça. olha, se você for cotista, eu vou te olhar torto. é melhor você nem dizer que é cotista (na verdade, você não devia nem dizer que é negro, porque o brasil é miscigenado, mis-ci-ge-na-do, entendeu?!), porque aí eu vou saber o quão incapaz você é de passar no vestibular honestamente, como eu. e não venha me dizer que eu consegui porque eu sou branca, seu preto racista!

falam-se tantas coisas, tantas asneiras. juram falar em nome da sociedade, mas a todo tempo defendem-se a minha vaga, o meu esforço, a qualidade do meu curso. faltam dizer: leva meu celular, ó!, só não rouba a minha vaga no vestibular. eu ouso dizer que se houvesse cotas raciais para gari, nenhum/nenhuma branc@ se oporia. assim como há cotas raciais nos presídios, nos manicomios, nas populações de rua, nas filas de hospitais públicos, mas essas são cotas de 90% para negr@s, e nenhum branc@ tá lá lutando por direito de ocupar esses espaços. tá mais do que óbvio que o problema é preto querer ser doutor.


ser branc@ no brasil é ser cúmplice de todas essas práticas excludentes, é perpetuar o racismo com toda a pompa que qualquer outro discurso hegemônico tem. e, nesse momento, eu posso dizer que é vergonhoso pra mim.



esse foi o desabafo de uma branca racista cansada da hipocrisia branca que se pretende justa e igualitária. o desabafo de uma racista cansada do racismo. 

domingo, 29 de abril de 2012

blog, pra que te quero (?)


um título idiota pra uma postagem idiota


falar qualquer coisa deveria ser um ato sempre precedido de reflexão. e eu venho aprendendo isso a duras penas. o que dizer então de registrar publicamente coisas íntimas, polêmicas, contraditórias, duvidosas (...), enfim, coisas que afetam a mim? sim, este é um blog sobre afetos, afetividades e afetações. é um blog afetado.

passo um: o nome do blog. as minhas estrias, what the fuck? mas por que um nome estúpido desses? essa branquela não deve ter nada de importante pra falar. blog de mulherzinha. é mais ou menos por aí. mentira. não tem mesmo nada a ver com isso. primeiramente, deve-se saber quem é a blogueira que vos fala, e a primeira informação parecerá tão estúpida quanto o nome do blog: uma garota que tem estrias. muitas, até. e muito menos que muitas garotas/mulheres/senhoras. uma gravidez na (pré-)adolescencia deixou-as de lembrança. ok, desisto de ler qualquer coisa desse blog.ah!, fica mais um pouquinho! quem sabe as estrias que marcam a pele de uma mulher como o ferro quente que marca o corpo da vaca, indicando de quem ela é propriedade e qual o seu destino, sejam mais interessantes - e complexas - do que parecem. exceto porque as estrias não exatamente indicavam o meu proprietário (embora houvesse pessoas que defendessem essa tese), mas sim as roupas que eu poderia usar, o quão livre eu estaria para movimentar os braços, o quão sexualmente desejável eu era... tirando esse pequeno detalhe, eram marcas a ferro quente na pele. diziam, sem as exatas letras: MÃE. e com elas carregavam uma série de proibições, a delimitação do gado no seu pasto. [repare no tempo em que os verbos foram usados. isso foi um processo lento, e ainda não se finalizou] e eu era, de fato, uma vaca leiteira. o desejo de toda mulher. que vontade de rir/chorar. ai, a maternidade... não, esse não é o blog da angélica e eu não quero ter mais filh@s.

e o que diabas eu quero dizer com as minhas estrias? primeiramente, não quero dizer nada aqui. eu quero gritar, vomitar, me descabelar com esses caracteres. algumas postagens serão simples textos, mas outras, provavelmente uma tentativa de murro num estômago, desses estômagos que encontro por aí e que nada fazem além de aumentar minha gastrite. interessante como as relações humanas se tecem órgão a órgão. voltando pras estrias: cansei de escondê-las. simples assim. o padrão de beleza não só cansa, mas enoja com o passar do tempo. mas quem dera fosse só isso: não eram só roupas escondendo a parte indesejada do meu corpo, mas milhões de mãos, pais-mães-ti@s-irmã-amig@s-livros-músicas, tapando a minha boca. e eu cansei de não falar. eu vou falar. e vou falar, inclusive, das minhas estrias. do pêlo grosso que encrava. da meu bigode - deixem meu bigode em paz! da minha buceta. e da minha família. da minha cidade. da sociedade. do brasil. da dilma, do PT. de feminisma. de feminismos.de aborto (dá pra legalizar ou tá difícil?! é, tá difícil). de drogas. de ditadura.  daquela garota linda. da garota que ela estava beijando o do quanto eu aceitaria se elas tivessem me chamado pra beijar aquele beijo também. eu vou falar. porque eu posso.

passo um: o nome do blog. as minhas estrias. porque o blog é meu e vai ter o nome que eu quiser.

passo um: o nome do blog. as minhas estrias. porque isso aqui não é um blog, mas uma tentativa de espaço meu, um lugar pr'eu falar do que quiser, ser o que quiser, como quiser. e o meu corpo, pelo menos aqui, vai além dos estigmas. mentira. meu corpo aqui é o próprio estigma. é a burrice do estigmatizar.

passo dois: o que falar. já falei mesmo sobre isso.

passo três: pra quem falar. pra quem quiser.

passo quatro: os passos seguintes se darão sem que eu os controle. é só um blog, afinal, e não uma caminhada - eu acho.

e esta foi a minha primeira postagem. eu não gosto muito de letras maiúsculas, e aprecio linguagem inclusiva. também não me importo muito com a diagramação do texto.

beijas!

p.s.: eu falo demais. não perca seu tempo lendo isso.